“Contanto que o seu objetivo seja entregar um trabalho muito bom e de qualidade, não importa a mídia, a técnica ou o estilo, as portas do mercado se abrirão”.
– Bruno Camara, 3D Artist
Você pode assistir a entrevista online que eu fiz com o Bruno no vídeo acima, ou ler toda a entrevista transcrita abaixo. Aproveite para conhecer mais sobre o trabalho do artista em seu Portfólio, Site Oficial e Facebook.
Game Concept Art Brasil: Eu gostaria que você começasse contando a sua história e como se tornou artista do mercado de jogos.
Bruno Camara: Bom, eu comecei profissionalmente em 2005, estudando na escola Cadritech em São Paulo. Nestes 11 anos eu consegui passar por algumas empresas de publicidade, como a Vagalume (empresa na qual fiquei dois anos e meio) e a Tribbo Post (por mais três anos), até que virei exclusivamente freelancer, completando agora quatro anos.
Eu comecei mesmo como Animador, mas ao longo dos anos fui vendo que não era muito o que eu gostava e fui me direcionando para a área de modelagem de personagem e criação 3D.
GCArt: Então a Cadritech foi o local que você se formou mesmo ou teve outra instituição antes dela?
Bruno: Sim, a Cadritech foi a minha formação principal na área. Foi o “start” que me concedeu o emprego na Vagalume, para você ter ideia. O fundador da Vagalume era um dos professores da Cadritech, que me convidou junto com outros dois alunos para formarmos a Vagalume.
Mas o conhecimento mesmo vem da prática do dia a dia trabalhando com clientes com demandas e desafios diferentes.
GCArt: Como é ser freelancer neste mercado? O que você vê de diferença mesmo se comparado com a época na qual você trabalhava dentro destas empresas?
Bruno: São duas posições com vantagens e desvantagens. Dentro da empresa você tem um horário fixo e isso é importante para te ajudar a ter uma disciplina melhor. Isso é legal, mas também te prende no quesito dos seus interesses. Você às vezes está louco para estudar alguma coisa diferente e focar em algo novo, mas a empresa tem as exigências dela com necessidades específicas. Então eu vejo isso como uma desvantagem se você está interessado em uma área específica do 3D diferente do que você está fazendo dentro da empresa.
Mas no Brasil é um bom começo para te dar uma boa experiência, velocidade e aprendizado em como trabalhar em equipe.
Enquanto isso como freelancer você foca realmente nos seus interesses, podendo construir o seu portfólio e até tendo mais tempo. Só que tem a desvantagem de você não ter uma equipe ao seu lado, exigindo ainda mais disciplina.
GCArt: Hoje você trabalha como freelancer principalmente para empresas internacionais. Como é isso? Como é lidar com empresas que estão com fuso-horários diferentes e com exigências diferentes?
Bruno: Em geral é bem tranquilo. Claro que tem momentos que o cliente cobra em excesso, tem clientes que cobram updates diários, enfim, é uma forma destas empresas controlarem o trabalho de uma maneira que te mantenha ocupado. Cada cliente é específico, mas o fato é que todos são bem profissionais. Se você constrói um portfólio com base no que você gosta, então isso já se torna um aliviador de estresse na questão de lidar com os clientes.
GCArt: Como que surgiu o seu interesse por arte?
Bruno: Foi desde criança mesmo. Desde os 7 anos eu já curtia muito desenhos animados, filmes, efeitos especiais, Jurassic Park, He-Man, Rambo… enfim, essa imaginação forte foi o que me deu essa paixão por criaturas e por personagens que não existem na realidade.
GCArt: E hoje você se especializou em modelagem de personagens, certo?
Bruno: Mais ainda do que personagens, eu me especializei em modelagem de criaturas mesmo. Coisas que não seriam possíveis se não fosse o 3D.
GCArt: Como é hoje o seu dia a dia de trabalho como freelancer?
Bruno: Eu tento manter uma vida equilibrada, tendo horário para cada coisa, como exercitar, fazer meus trabalhos pessoais, realizar o trabalho em si e até estudar. É difícil porque eu tenho uma certa aversão a rotina em si, então eu preciso mudar sempre. Agora, o que eu vejo mesmo é que você precisa ser forte para manter o trabalho no ritmo certo. Tem dia que você pode não ser produtivo e então precisa compensar no próximo.
GCArt: Falando um pouco das empresas de games que você trabalhou como freelancer, conte um pouco sobre seus trabalhos.
Bruno: A primeira empresa que eu comecei a trabalhar como freelancer foi a Crytek, ainda na época em que eu trabalhava com a Tribbo Post. Eles encontraram meu portfólio e me perguntaram se seu estava disponível para trabalhar com eles. Como eu ainda trabalhava na Tribo, o meu horário para fazer o job da Crytek era à noite mesmo, mas até que era tranquilo.
Porém quando eu percebi que o negócio estava crescendo eu vi uma oportunidade de me concentrar totalmente como freelancer e foi assim que eu fiquei exclusivamente da Crytek durante um ano.
GCArt: Com a Crytek você trabalhou na produção do jogo Ryse: Son of Rome, certo? Como foi essa experiência?
Bruno: Foi incrível. Eles convidaram eu e outros dois amigos artistas (o Bruno Melo e o Mariano Steiner) para visitar a empresa durante cinco dias em Frankfurt na Alemanha para conhecermos o time de produção, fazer um tour pela empresa e, principalmente, para que eles nos conhecessem pessoalmente para terem uma noção do tipo de profissional que eles estavam contratando. Foi uma viagem totalmente paga por eles.
GCArt: E depois da Crytek o que veio de trabalho na área?
Bruno: Muitas portas se abriram, principalmente na área de Cinematic. Eu trabalhei um pouco com o Warhammer Online para a Plastic Wax, e tiveram outros projetos recentes para outras empresas, porém infelizmente eu ainda estou sob NDA e não posso comentar ainda.
GCArt: Em Cinematic, só para explicarmos um pouco, o seu trabalho consiste basicamente em modelar uma criatura que será posteriormente animada por outros artistas para ser usada em uma animação específica. Certo?
Bruno: Exatamente. O Cinematic é o trailer de publicidade do jogo em si, muito mais realista que o jogo em real time, envolvendo muito mais detalhes e renderizações. Por isso tem que saber um pouco mais de V-Ray, Corona e renderizadores em geral.
GCArt: Um dos títulos que você trabalhou com Cinematic recentemente foi o Star Wars: The Old Republic. Como foi fazer parte deste trabalho?
Bruno: Foi muito legal. O pessoal da Blur trabalhou reaproveitando modelos 3D utilizados previamente. Neste caso específico eles me enviaram um modelo de um soldado masculino para que eu adaptasse para um modelo feminino, texturizando e criando peças novas. No caso das cabeças humanas elas foram escaneadas para acelerarem o processo no pipeline, mas mesmo assim elas precisaram ser adaptadas para o modelo que eu estava criando. Mas no geral foi uma experiência ótima.
GCArt: E como é lidar com as questões burocráticas mesmo? Principalmente porque estamos falando de contratos com empresas internacionais.
Bruno: No caso das empresas grandes, elas já enviam um contrato padrão. Por serem empresas grandes e com um nome a zelar, eu acredito ser improvável que algo de ruim aconteça. Agora a dica que eu dou é para tomar cuidado com empresas menores e, principalmente, empresas ainda não conhecidas. Eu já trabalhei com empresas menores e o tipo de segurança que eu costumo tomar é pedir um adiantamento de 50% do pagamento total antes do trabalho ser iniciado. Só então eu realizo o trabalho, envio as imagens para as empresas e, finalmente, depois que eles me pagam o restante é que eu realmente envio o material final. Hoje inclusive eu tenho um contrato simples (de uma página mesmo), que eu costumo enviar para estas empresas menores para garantir que tudo saia certo para ambos os lados.
GCArt: Como freelancer você já trabalhou para mais de uma empresa simultaneamente?
Bruno: Sim. Em 2016, por exemplo, foi punk. No final do ano eu estava com três trabalhos sendo feitos ao mesmo tempo. Eu não tinha tempo para mais nada. É uma loucura que eu não recomendo, porque de certa forma, quanto mais trabalho você pega simultaneamente, mais diluída será a qualidade entre eles.
GCArt: E como funciona as exclusividades com estas empresas?
Bruno: Eles não tem nem como controlar isso por conta da distância mesmo. É lógico que o cliente consegue perceber se algo está saindo do controle simplesmente vendo a qualidade do trabalho que está sendo feito e o tempo que você está levando para cumprir com cada entrega.
Mas eu acho que se você está fazendo um trabalho de qualidade e cumprindo prazo, não tem porque você deixar de aceitar outros trabalhos. Claro que isso comprometerá seu tempo para outras coisas.
GCArt: Pelo que podemos observar a grande maioria dos artistas 3D brasileiros vieram do mercado de publicidade e até mesmo animação para filmes. Você acha que este ainda é um caminho inevitável para quem está entrando na área ou hoje podemos dizer que existe a possibilidade do profissional sair da área acadêmica e ir direto para o mercado de jogos?
Bruno: Sim, hoje com certeza existe a possibilidade de começar direto na indústria de jogos. Se é isso o que você quer realmente, eu não vejo a necessidade de ter outros atalhos. Se você realmente quer entrar no mercado de games, o caminho é montar um portfólio diretamente para este mercado.
A área de CG é muito ampla, principalmente na indústria de games. O que eu vejo é que pelo menos 50% do trabalho dos artistas deste mercado está em resolver a parte técnica mesmo, como resolver bugs e alinhar o pipeline. Então você precisa se conhecer e identificar que áreas você tem interesse em atuar mesmo. Eu mesmo às vezes estou trabalhando com Cinematic e me enjoo um pouco, fazendo com que eu pegue alguns trabalhos de modelagem para miniaturas, por exemplo.
GCArt: Você diria então que o ideal é que o profissional tenha um pouco conhecimento em cada uma destas áreas antes de focar em uma especificamente?
Bruno: Eu acho que cada profissional é uma pessoa diferente. Então se, por exemplo, você é louco para trabalhar com Low Poly estilizado de animais, faça apenas isso e siga o seu caminho. Mas também tem pessoas que gostam de um pouco de cada coisa, então também é possível trabalhar em mais de uma área.
GCArt: E quais artistas te influenciam hoje profissionalmente?
Bruno: Vários. No início da carreira foi o Fausto De Martini, depois o Kris Costa. Hoje tem vários profissionais trabalhando em outros países que eu admiro, como o Rafael Grasseti e o Glauco Longhi. Geralmente artistas que trabalham com criação de criaturas, anatomia em geral e até mesmo em trabalhos 2D.
GCArt: Por falar em 2D, você ainda estuda 2D ou hoje está focado 100% com 3D?
Bruno: O legal é você fazer o que você está sentindo no momento. Claro que o ideal é você se dedicar um pouco em cada meio que estiver trabalhando para conseguir realizar algo com um resultado bom. Contanto que o seu objetivo seja entregar um trabalho muito bom e de qualidade, não importa a mídia, a técnica ou o estilo, as portas do mercado se abrirão.
GCArt: E qual a importância de você produzir trabalhos pessoais? Pelo seu portfólio vemos que você tem produzido bastante coisa não comercial.
Bruno: Como muitos trabalhos para as empresas são feitos sob sigilo e não podem ser divulgados até eles autorizarem, eu acho importante você conseguir explorar as suas ideias em projetos pessoais mesmo e deixar o portfólio sempre com novidades do seu trabalho. Eu recomendo inclusive que você crie algo completamente seu, sem copiar outro artista ou criação. É importante para você imprimir o seu estilo e aproveitar para aplicar seus novos estudos em novos projetos.
GCArt: Um destes projetos pessoais foi um concept 3D do Goku do Dragon Ball, que inclusive ganhou uma grande repercussão na mídia. Conte para nós como foi fazer este projeto. Inclusive este mesmo modelo 3D do Goku está em um projeto para um teaser do Dragon Ball em 3D, certo?
Bruno: Eu só tentei propor um novo visual para o Goku em um modelo 3D que fosse tanto fiel quanto do desenho, mas também tivesse um toque de realismo. No caso da animação, são vários artistas que estão envolvidos, inclusive dubladores oficiais da série nos EUA, que estão reunidos para montar um teaser da série totalmente 3D. É um trabalho que está em processo ainda, temos trechos que ainda precisam ser finalizados, mas a animação já está pronta, assim como alguns efeitos especiais.
GCArt: Que dicas você pode dar para quem quer entrar nesta área?
Bruno: A dica que eu dou é nunca focar em dinheiro. Foque sempre no que você realmente gosta. Se você fizer o que você ama, as portas se abrirão.
GCArt: E qual seria a sua recomendação de estudo para quem ainda não começou?
Bruno: Tem escolas bem legais no Brasil que eu recomendo como a Melies e a ICS em São Paulo ou a R.Evolution em Curitiba. São escolas que abrem o seu leque de possibilidades e te ajudam a criar uma disciplina de estudos mesmo.
GCArt: Para fechar, quais são os seus próximos passos na área? Você pretende continuar exclusivamente como freelancer ou planeja se tornar contratado fixo de um único estúdio de jogos?
Bruno: Eu estou querendo muito entrar em um estúdio este ano. Esta é minha meta para 2017. Me mudei para Florianópolis já faz pouco mais de um ano, então eu diria que já estou entrando na rotina que eu não quero pra mim.
GCArt: Bruno, novamente agradecemos muito pela entrevista. É sempre gratificante poder compartilhar a história de brasileiros neste mercado.
Bruno: Eu que agradeço pelo convite.